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Quando eu era pequena ia passar as férias a casa da minha avó, era uma casa grande e velha que se enchia de ruídos durante a noite. Todas as noites a minha avó vinha ao meu quarto e cantava-me canções de embalar para eu adormecer. Eu queria adormecer depressa, não queria que ela estivesse ali ao frio à espera que o meu sono chegasse... Mas todas as noites o meu sono tardava em chegar, porque eu sabia que quando adormecesse a minha avó ia-se embora, e eu ficava sozinha no meu quarto escuro. Para mim a casa estava dividida em dois mundos: o meu quarto era a terra da morte, enquanto o quarto da minha avó, era onde estava a vida.

 

Boa noite nasce da vontade de filmar o medo, esse sentimento que nos tolhe a vida e a alma, tão difícil de definir na idade adulta e que na infância é de mais fácil figuração: pode ser o cão do vizinho ou uma sombra na parede, pode mesmo ter fronteiras definidas, como os meus dois mundos em casa da minha avó. No meu quarto todos os sons da casa eram presságios de terríveis ameaças, no quarto da minha avó o ressonar forte dela era para mim o som reconfortante da vida.

Não se pode falar do medo sem falar da morte, todo o medo é na sua essência medo da morte.

Alguém que sabia, por experiência própria do que falava, disse-me que os velhos não dormem para ver a morte chegar, acredito que sim, acredito que de alguma forma achamos que se não nos rendermos ao sono, à vulnerabilidade a que o sono nos expõe, podemos enganar a morte, adiar a morte. Acredito que as noites de insónia na velhice sejam vigílias semelhantes às das crianças, ambas ditadas pelo medo, ambas actos de resistência e luta contra a morte.

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